Direitos humanos para humanos – Ou por que direitos humanos devem ser para todos

Com muita frequência, ouvimos um velho e familiar slogan: “direitos humanos para humanos direitos”.  Geralmente, esses slogans aparecem como comentários em relação às ações tomadas pela polícia contra criminosos, ou em resposta ao suposto “absurdo” de como os direitos humanos seriam usados para proteger “bandidos” e defender que sejam bem tratados, quando, supostamente, eles não mereceriam essa atenção. “Não deveríamos”, nos dizem, “nos preocupar com esses marginais; deveríamos sim nos preocupar com as pessoas de bem que são vítimas deles e sofrem com o crime. Você quer mesmo proteger as pessoas que cometem essas atrocidades com outras pessoas, que agem de maneira desonesta e prejudicam aos ‘bons cidadãos’ da sociedade? Por que essas pessoas deveriam ser protegidas, depois de tudo que elas fizeram?”.

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Política, Futebol, Dogmatismo (Texto de outubro de 2010)

Quando assistimos as propagandas eleitorais, parece inevitável sentirmos um misto de se divertir e de se ofender: de se divertir, pelas idiotices que os candidatos fazem em suas campanhas; de se ofender, por sermos tratados, incessantemente, como idiotas.

De fato, chegamos a um ponto tal que a campanha virou propaganda, e a propaganda virou marketing. A qualquer um que pare por um segundo sequer para pensar em algumas das principais estratégias utilizadas para se ter votos, fica logo claro que elas nada têm a ver com política. São apenas meios de sedução, de encanto, de enfeitiçamento dos eleitores para que se possa obter o seu voto. O que os jingles eleitorais têm a nos dizer sobre as propostas do candidato? Geralmente, absolutamente nada. Mas, mesmo supondo que algum deles tivesse algo para dizer: por que dizê-lo na forma de jingle? A escolha da forma denuncia a finalidade do conteúdo: seduzir, em vez de persuadir. A campanha eleitoral como um todo pode facilmente se resumir a isso: sedução dos eleitores. O que não significa que a persuasão não esteja presente em nenhum momento, mas sim que ela foi relegada ao segundo plano. O principal, o tom da campanha não é o da persuasão, mas sim, sempre e invariavelmente, a sedução – a tal ponto que mesmo por trás da aparente persuasão, encontra-se, freqüentemente, a intenção de seduzir.

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On the indecision of the occupy movement (translated and edited)

One of the most often made critics to the occupy movement is that its members ‘don’t know what they want’. Rebels without a cause, demanding changes without proposing how they could be made, the occupiers were often received with annoyance and impatience by those who, confronted with the indecision of these protesters on what, after all, they want to be done, would like they decided already what to do.

Against this sort of critic, it’s been already pointed out in a number of ways how this indecision, in its negative aspect (that is, in the sense of not immediately deciding on what is to be done), is essential and productive in many ways. As a matter o fact, it is this indecision that allows for a truly honest debate, a discussion open to new ideas and possibilities, that isn’t determined by presuppositions and prejudices put beyond any critic, any test through their discussion and questioning in an open dialog. This indecision, even in its negative aspect (of not deciding on what is to be done),  isn’t to be taken as negative (as meaning something bad, prejudicial). On the contrary, this indetermination is fundamental, in order to make possible a truly honest politics, one that doesn’t guide itself through presuppositions and prejudices, through ideas or proposition pre-defined or rashly proposed, before they can be serious and consequently evaluated and discussed. The important thing now isn’t to take action as fast as possible; rather, it is to take it the best possible way. Thus, the priority isn’t to have a proposal – rather, it’s the quality (one could also say, the legitimacy)  of the proposal that is built. Or, to put it in another way: what matters isn’t to have a proposal, but rather to have a satisfactory proposal.  According to this point of view, it would seem even absurd to gather around an proposal due more to the faith in it than from the fact that it resulted from an extended debate from those who gather around it.  The indecision of the occupiers about what to do is thus essencial in order to not take simply any action, but rather the action that is the most adequate to the current development of events. And this can only be done through dialog, openness, reflection.

However, without aiming to dismiss the relevance of the negative aspect of the indecision of the occupiers,  I would like to emphasize, in this article, what I take to be its positive side.

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Sobre a não-violência e os movimentos de ocupação

Uma das práticas que mais tem sido enfatizada e defendida pelos movimentos de ocupação por todo o mundo é a da não-violência. Com efeito, diversas imagens já foram divulgadas de ocupantes reagindo de maneira não-violenta a ações policiais, a mais emblemáticas das quais seria provavelmente a de dois ocupantes sendo presos enquanto estão meditando. Insistir na importância da não-violência, porém, significa trazer a tona a discussão sobre o papel da violência na política, e, mais do que isso, de como seria possível uma política não-violenta. Afinal, seria realmente possível abdicar de toda e qualquer violência, sem ao mesmo tempo inviabilizar uma ação política que possa ter repercussões que não sejam meramente locais e momentâneas? É possível uma ação que abdique completamente da violência? E que conseqüências agir de tal maneira poderia ter, do ponto de vista político? Não seria o sonho de meros utópicos, supor que algo possa ser mudado sem violência? Não haveria, necessariamente, alguma espécie de equivalência entre mudança e violência?

Neste artigo, buscarei desenvolver o sentido e o significado da não-violência em alguns aspectos que julgo fundamentais, os quais justificariam a indissociabilidade dos movimentos de ocupação da ação não-violenta. A este respeito quero, sobretudo, desenvolver dois pontos: que a violência implica a exclusão e, por isso, não é condizente com aquilo a que os movimentos de ocupação se propõem; e a não-violência, muito diferentemente de impedir a ação política, tem permitido a ela adquirir proporções e possibilidades que não poderiam ser exploradas de outra forma.

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Uma proposta para o ocupa sampa: rotatividade dos locais de ocupação

Dada as sugestões feitas recentemente no ocupa sampa, devido a possibilidade de ação policial, me ocorreu uma idéia que talvez fosse bastante interessante para a articulação do movimento e mesmo para amenizar esse tipo de problema e confronto.
O acampa sampa se mudou do Anhangabaú para a Paulista. Nisso, mostrou, assim como outras ocupações, que esse movimento não é dependente de nenhum lugar fixo. Talvez essa independência devesse ser explorada mais sistematicamente, e por isso, gostaria de propor que as mudanças de local não fossem meramente circunstanciais, dependendo de um ou outro fator momentâneo, mas que fossem incorporadas ao próprio movimento: gostaria de propor, em outras palavras, que houvesse uma rotatividade permanente dos locais ocupados pelo ocupa sampa.

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Sobre a indecisão dos movimentos de ocupação

Uma das críticas mais frequentes aos movimentos de ocupação que tem surgido por todo o mundo é a de que os manifestantes ‘não sabem o que querem’.  Rebeldes sem causa, reivindicando mudanças sem terem propostas de como fazê-las, os ocupantes teriam sido frequentemente recebidos com irritação e impaciência por aqueles que, diante da indecisão desses manifestantes sobre o que, afinal, eles querem que seja feito, desejariam que eles simplesmente decidissem de uma vez o que fazer.

Contra esse tipo de crítica, já se apontou de diversos modos como essa indecisão, em seu aspecto negativo, isso é, no sentido de não se decidir de imediato sobre aquilo que deve ser feito, é produtiva e essencial em uma série de maneiras. Com efeito, seria ela que permitiria um debate verdadeiramente honesto, uma discussão aberta a novas idéias e possibilidades, que não fosse determinada por pressupostos e preconceitos que se colocariam para além de toda crítica, de todo teste por meio de sua tematização e problematização em um diálogo aberto. Essa indecisão, mesmo em seu aspecto negativo (de não se decidir sobre o que se quer fazer),  não seria negativa (no sentido de ser algo ruim, prejudicial). Muito pelo contrário, essa indeterminação seria fundamental para que, por fim, fosse possível uma política honesta, que não se pautasse por pressupostos ou preconceitos, por idéias ou proposições pré-definidas ou propostas precipitadamente, antes de serem séria e consequentemente avaliadas e debatidas. O fundamental agora não seria tomar uma ação o mais rápido possível; antes, seria tomá-la da melhor maneira possível. Por isso, a prioridade não é ter uma proposta – antes, é a qualidade (poderíamos dizer também, a legitimidade) da proposta que se constrói. Ou, colocado de outra forma: o que importa não é ter uma proposta, mas sim ter uma proposta satisfatória. Dentro desse ponto de vista, parece até mesmo  absurdo mobilizar-se em torno de uma proposta, baseando-se mais na crença nela do que no fato dela ter resultado de um debate extensivo daqueles que se mobilizam em torno dela. Sendo assim, a indecisão desses ocupantes  sobre o que fazer seria essencial para que, diante dos acontecimentos recentes, não se tome simplesmente qualquer ação, mas sim se tome uma ação a mais condizente possível com aquilo que o desdobramento atual das coisas exige – o que, por sua vez, exige abertura, diálogo, reflexão.

No entanto,  sem querer em nenhum momento diminuir a importância dessa lado negativo da indecisão dos ocupantes, gostaria de enfatizar nesse texto o que considero ser o seu lado positivo.

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